– Oliver Simões
O domínio dos verbos modais é um dos maiores desafios para os alunos de expressão portuguesa que estão aprendendo inglês. Os modais são aqueles verbos auxiliares que não admitem o infinitivo precedido de to. Por exemplo: I can swim, but I can’t dive (Posso nadar, mas não posso mergulhar) e não I can to (sic) swim ou I can’t to (sic) dive.
Entre os modais, talvez o menos compreendido seja o had better. Se você pesquisar o Google tentando encontrar uma boa tradução para o português, fica aqui uma dica: a maioria das traduções de had better estão erradas!
É comum equacionar had better com it’s better (é melhor), it would be better (seria melhor), have to (ter que) ou should (deve, deveria) (Bab.la, Reverso & WordReference). Convém ressaltar que esses erros ocorrem em sites dedicados à tradução e/ou questões linguísticas. Veja este:
“Há uma expressão longamente atestada ‘one had better’ que quer dizer ‘it would be better if one (sic) + verbo no passsado’. Parecemos estar de acordo que, aqui, better é um advérbio que significa “mais sabiamente, mais recomendavelmente”. – Bradford “apud” Had better, WordReference, 2014, traduzido do inglês
Vejamos o que dizem os gramáticos:
“Considere por que um pai / uma mãe pode dizer ao filho, “It’s getting late, so you’d better finish your homework now”, mas o filho não pode retrucar com “Well, it’s almost dinner time, so you’d better get in the kitchen and cook something good.” (A explicação é que “had better” é usado apenas por pessoas [em posição] de poder ou autoridade [quando se dirigem] aos subordinados)…. Um verbo modal é um verbo auxiliar que altera o sentido da oração adicionando nuances de significado, ou modo, ao verbo principal que é modificado por ele” (Folse, 2009, p. 224-25, “apud” Elias, 2014, traduzido do inglês).
Em sua tese de mestrado, Jeffery Hutcheson (1994) apresenta um excelente quadro ilustrativo para o ensino dos modais. A ideia em si é não é inovadora, na verdade ele se baseia na obra de Betty Azar (1989). Hutcheson chama a atenção para o fato de que “um modal raramente tem apenas um significado, e raramente um significado é expresso por apenas um modal”. No caso específico de had better, ele é usado para (1) dar um “conselho incisivo” ou (2) fazer uma “advertência”. Transcrevo abaixo a parte que nos interessa no momento:
Modal | Uso | Exemplo | Paráfrase (em português) |
had better | conselho com ameaça de mau resultado | You had better be on time, or we will leave without you. | A consequência do seu atraso é que partiremos sem você; é melhor não se atrasar! |
Had better é uma expressão “forte” que é usada quando sabemos que haverá “consequências negativas” caso alguém não faça o que é desejado ou sugerido (Cambridge Dictionary, traduzido do inglês).
Baseados em diferentes livros didáticos para o ensino do inglês, Alard et al. (2011) afirmam que “o uso de had better pode implicar que se o conselho não for seguido, existe a possibilidade de que um problema ou perigo possa resultar (Barker 2003, Murphy, 2004, Azar, 2002).” Segundo os autores, had better é mais forte que might, could e should, porém mais fraco que must e have to. Em outras palavras, ele fica mais ou menos na metade da escala modal e, ao contrário do que sugere o site WordReference, não é sinônimo de ought to (deveria)!
Depois de me debruçar sobre essa questão e revirar a internet em busca de uma tradução satisfatória, cheguei à conclusão de que provavelmente ela não exista, pelo menos em discurso direto.
Uma possível solução consiste em fazer uma transposição morfossintática à luz da gramática gerativa transformacional (TGG) de Noam Chomsky. Para isso, precisamos rever dois conceitos fundamentais: a estrutura profunda (deep structure, ou D-S) e a estrutura de superfície (surface structure, ou S-S). A estrutura profunda é a representação formal do significado subjacente de um enunciado linguístico. A estrutura de superfície, por sua vez, representa as orações que expressam esse significado. Por exemplo: João amava Teresa e Teresa era amada por João são estruturas de superfície derivadas de uma estrutura profunda comum ou semelhante. A TGG normalmente é transformada da D-S para a S-S.
No atual contexto, precisamos fazer uma transformação inversa:
S-S: You’d better complain about your faulty item.
D-S: I strongly advise you to complain about your faulty item.
Trad. literal: Eu fortemente aconselho você a reclamar sobre seu falhoso produto.
Transp. morfológica: Aconselho muito você a reclamar sobre seu defeituoso produto.
Transp. sintática: Aconselho muito que você reclame do seu produto defeituoso.
Neste processo transformacional, basicamente mudamos o discurso direto para o indireto e fizemos alguns pequenos ajustes no sentido de melhorar a tradução resultante. O discurso indireto permitiu uma mudança de foco (de você para eu), colocando o enunciador (o eu) em posição de destaque/autoridade em relação ao interlocutor: eu aconselho. A existência de uma autoridade é uma nuance de significado importante que está implícita em had better e que as traduções existentes, pelo menos as que encontrei, não contemplam. A estrutura profunda aconselho muito que transmite bem a característica de conselho incisivo, é relativamente comum, soa natural em português e foi validada em pesquisa com 5 falantes nativos.
Para a segunda acepção, advirto que parece dar conta do recado. Neste caso, a autoridade do enunciador fica ainda mais patente, até mesmo em função do tom formal, como neste exemplo adaptado de uma notícia de tentativa de linchamento público na Índia: You’d better stay quiet [or else I’ll put you in jail for cow slaughter]. (Advirto que você fique calado [ou irá para a cadeia pelo sacrifício de uma vaca].)
Já as frases é melhor que, seria melhor que e similares são semanticamente amenas e mais fracas do que had better e não transmitem a ideia de autoridade e/ou subordinação entre as partes. Além disso, traduzem literalmente para o inglês como it’s better (if) e it would be better (if), respectivamente. Em síntese: had better traz uma advertência implícita e uma ideia de hierarquia (autoridade) enquanto as aludidas frases em português, não. Uma boa tradução deve levar isso em conta. Como aparentemente não é possivel traduzir este modal empregando o discurso direto, o tradutor pode recorrer ao discurso indireto no intuito de preservar o seu valor semântico e a relação de poder implícita.
PS: A solução de mudança do discurso tem, porém, uma limitação: ela dificilmente poderá ser aplicada quando o sujeito da oração for a primeira pessoa. Por exemplo: I’d better eat healthy. Neste caso, quem está dando o conselho ou fazendo a advertência? Supondo que seja um autoconselho, não faria sentido usar o discurso indireto: “eu me aconselho muito” (??!!). O discurso direto seria o caminho a seguir neste caso, porém é quase certo que haverá uma perda semântica com a escolha de um verbo substituto.
REFERÊNCIAS:
ALARD, Danièle et al. Addressing Cross-Linguist Influence and Related Cultural Factors Using Computer-Assisted Learning (CALL). In: (SOBRENOME 2), (Nome 2). Handbook of Research on Culturally-Aware Information Technology. [S.l.]: Information Science Reference, 2011. p. 582-598. Disponível em: (URL). Acesso em: (acesso).
CONTEXTUAL examples of “you had better” in Portuguese. Hamburgo, Alemanha: Bab.la, 2023. Disponível em: https://n9.cl/jle6d. Acesso em: 13 out. 2021.
DEEP structure and surface structure. In: Wikipedia. São Francisco, Califórnia: Wikimedia Foundation. Disponível em: https://n9.cl/eb1paq. Acesso em: 13 out. 2021.
ELIAS, Julian. Teaching Modals to Low-Level ESL/EFL Students. In: English For Me. [S.l.]: Weebly.com, 26 abr. 2014. Disponível em: http://mpt.ninja/W74i. Acesso em: 13 out. 2021.
HAD BETTER. In: Cambridge Dictionary. Cambridge: Cambridge University Press & Assessment, 2023. Disponível em: https://n9.cl/3nj87. Acesso em: 11 out. 2021.
HAD BETTER. In: Dicionário Inglês-Português. Vienna, Virgínia (EUA): WordReference.com LLC. Disponível em: https://n9.cl/89fjf. Acesso em: 13 out. 2021.
HAD BETTER. In: WordReference.com Language Forums. Vienna, Virgínia (EUA): WordReference.com LLC, 16 mar. 2014. Disponível em: https://n9.cl/arepu. Acesso em: 11 out. 2021.
HUTCHESON, Jeffery B. A Study of the Linguistic, Semantic and Sociolinguistic Components of the English Modal System. CORE. Reino Unido: core.ac.uk, dez. 1994. Disponível em: https://n9.cl/mt3b6. Acesso em: 11 out. 2021.
YOU HAD BETTER. In: Reverso Context. Neuilly-sur-seine: Reverso Technologies, Inc. Disponível em: https://n9.cl/kewjnp. Acesso em: 13 out. 2021.